domingo, 17 de agosto de 2008

PARAR A OBRA É UMA OBRIGAÇÃO PATRIÓTICA

ESTADÃO DE HOJE / NACIONAL

Domingo, 17 de Agosto de 2008 | Versão Impressa


''Parar a transposição é obrigação patriótica''
Alves faz duras críticas a Lula e o desafia a atravessar a foz a pé, para constatar ?que o rio está morrendo?

Guilherme Scarance

Crítico contumaz da transposição do Rio São Francisco, o ex-governador de Sergipe João Alves Filho (DEM) faz uma previsão estarrecedora: se a obra continuar, em uma década faltará água para 1 milhão de pessoas, só no seu Estado e em Alagoas. Argumenta, ainda, que serão enterrados US$ 1 bilhão gastos com adutoras. "Parar essa obra é uma obrigação patriótica", defende Alves, em entrevista ao Estado. Para ilustrar a degradação do rio, ele desafia: "Lula deveria visitar a foz do rio - e recomendaria que ele levasse bermuda, eu estaria lá para acompanhá-lo. Se ele atravessar o rio a pé, manda suspender a obra imediatamente."

O sr. é um dos maiores críticos da transposição, mas a obra está sendo tocada pelo Exército e a resistência praticamente desapareceu. A classe política recuou muito - a popularidade do presidente chegou a tal ponto que combater Lula tira voto. Se a obra for realizada, será o maior crime econômico, ecológico e social da América Latina. Os políticos pararam, mas há grupos de ecologistas, cientistas, etc.

O que aconteceu?

O presidente, agindo de forma arbitrária, colocou o Exército. Só que o Exército vai parar com 2 quilômetros e a obra tem 700 quilômetros. O interesse não é que o Exército faça. Lula agiu maquiavelicamente. Quem fará são os empreiteiros, os grandes interessados.

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou liminares. Não há mais como parar a transposição?

Absolutamente! Temos cerca de 20 ações no Supremo. O STF vai julgar o mérito e não tenho dúvida de que a obra será suspensa. O ministro Carlos Britto já falou, é um rio nacional e a obra não teve autorização do Congresso. Segundo: essa obra não tem o RIMA (relatório de impacto ambiental) na região doadora de 70% da água, Minas, nem na região da foz, que é a mais sofrida.

O Ibama foi realmente bastante cobrado a dar autorização, mas exigiu vários projetos ambientais.

O Ibama está agindo de forma política, não técnica. Deu autorização a toque de caixa, sem cumprir as normas constitucionais e as imposições da Lei de Recursos Hídricos. Já fiz uma carta aberta ao presidente Lula. Eu e outros pesquisadores, mas ele não nos recebe. Essa obra não resiste a 10 minutos de debate. Lula deveria visitar a foz do rio - e recomendaria que ele levasse bermuda, eu estaria lá para acompanhá-lo. Se ele atravessar o rio a pé, manda suspender a obra imediatamente. Eu deixo esse desafio aqui: ele vai ver com seus olhos que o rio está morrendo.

O sr. trouxe fotos apontando a degradação do rio, mas o governo anunciou R$ 1 bilhão de investimento para a revitalização.

O governo está blefando. Obra de revitalização é uma verdadeira epopéia. Você só tem um grande rio do mundo revitalizado - o Rio Tennessee, no New Deal. Ele equivale a dois terços do São Francisco e levou 20 anos para ser revitalizado.

O governo alega que houve debate e a obra é um desejo do Nordeste.

Isso é mentira. Fui um dos contestadores. Não fizeram debate sério. Eu era governador e não fui ouvido. Aécio Neves não foi ouvido. Paulo Souto, da Bahia, não foi ouvido. Os dois maiores Estados doadores de água - 70% de Minas e 20% da Bahia - não foram ouvidos.

Quais são as conseqüências da transposição, na sua avaliação?

Vou dizer, com absoluta segurança: a morte do rio.

Como seria isso?

A primeira etapa vai ser a água salinizar. O mar já invadiu o rio em 145 quilômetros. Lá já se pescam peixes de mar.

O sr. defende o uso de água dos açudes. Essa é a alternativa?

Tem um projeto feito pelo presidente Sarney, grande aliado de Lula, que levaria água para todos os habitantes do semi-árido nordestino e custaria menos de um terço do valor da transposição, que leva água para quatro Estados. Eu, como ministro do Interior, coordenei, mas era projeto do presidente Sarney. A água viria de duas fontes: no semi-árido há 70 mil açudes, com 37 bilhões de metros cúbicos de água. A outra é o subsolo - um mar de água doce de 135 bilhões de metros cúbicos.

Mas seria mais barato parar a obra atual e iniciar a outra?

O que gastaram lá é uma gota d?água. Essa obra é uma loucura. Parar essa obra é uma obrigação patriótica. E faltará água nos próximos anos. Em Sergipe e Alagoas, eu calculo no máximo dez anos: perderão todas as adutoras. Foram gastos nelas, em valores atualizados, US$ 1 bilhão. Sabe qual é a população que é abastecida pela adutoras? É de 1 milhão de sergipanos e alagoanos. Pode imaginar a tragédia?

sexta-feira, 11 de julho de 2008

COMO LULA MUDOU DE POSIÇÃO

DEBATES NO SENADO

15/02/2008
Senado debate transposição em sessão tumultuada
Bate-boca entre opositores e defensores do projeto discutem obra do governo federal no Rio São Francisco

BRASÍLIA – Quatro comissões reunidas ontem no Senado – as de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), de Serviços de Infra-Estrutura (CI) e de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) – debateram a transposição das águas do Rio São Francisco, proposto pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Uma certeza sobre a transposição do rio certamente ficou evidente: O projeto é realmente polêmico. A convivência conflituosa entre favoráveis e contrários à proposta esteve presente o tempo todo na reunião. O clima esquentou em discussões do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB), e o senador César Borges (PR) – ambos baianos -; entre o deputado federal e ex-ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PPS-CE), com a atriz Letícia Sabatella; e entre o bispo dom Luiz Cappio – protagonista de duas greves de fome antitransposição – e Geddel Vieira Lima.


O projeto de transposiçao é a maior obra individual do PAC, orçado em R$6,6 bilhões. A iniciativa promete levar água do São Francisco a regiões de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, garantindo água para 12 milhões de pessoas. A obra está a cargo do Ministério da Integração Nacional. Ao abrir os trabalhos, o presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), comentou que a escassez de água enfrentada pelo Nordeste não é um problema regional, mas de todo o país e, enquanto não for resolvida, o Brasil não pode se considerar um país justo. “Gerenciar essas águas, estabelecer uma distribuição mais justa, sempre foi um grande desafio para o governo brasileiro, que só agora dispõe de instrumentos adequados para fazer com que prevaleça um caráter justo para a distribuição dessas águas”, declarou Garibaldi Alves, destacando que 70% da água doce do Nordeste concentra-se no Velho Chico.


Propaganda - Denominada oficialmente de Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, a transposição enfrentou mais de cem manifestações no ano passado. Os opositores – religiosos, estudiosos, entidades sociais como MST, políticos e promotores – alegam deficiência dos estudos de impacto ambiental, prejuízo a terras indígenas e danos a um rio já degradado. O Ministério da Integração sustenta que a revitalização (para a qual foram destinados R$1,3 bilhão) já está em curso. Já refeito dos 23 dias sem se alimentar, em dezembro passado, o bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, bateu forte no governo federal, a quem acusou de fazer propaganda enganosa.


De acordo com o religioso, dos 12 milhões de beneficiários apontados pelo governo federal, o projeto deixará de levar água a cerca de dez milhões de pessoas que vivem no semi-árido brasileiro e que ainda não têm acesso seguro à água. Sua abrangência espacial, argumentou o religioso, só atinge 7% do semi-árido. “Mais de 90% do território e suas populações continuarão no abandono e na indigência”, acusou. O professor João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fez coro com dom Luiz. A água que sairá do São Francisco irá irrigar rios perenes e os grandes reservatórios do Nordeste como Castanhão, Mãe D’Água e Engenheiro Armando Gonçalves. Equivalerá a “chover no molhado”.


Ciro Gomes acusou os antitransposição de, baseados na observação, induzir a opinião pública a “gravíssimos erros”. Já o arcebispo da Paraíba, dom Aldo Pagotto, defendeu que “quem tem sede, apóia” a proposta. Presidente do Comitê Paraíbano em Defesa da Integração (transposição) do Rio São Francisco, Pagotto foi um dos religiosos que criticaram a greve de fome de dom Cappio em dezembro do ano passado.


No seu pronunciamento, César Borges afirmou que Geddel, antigo opositor da proposta, ter mudado de idéia após ter sido nomeado ministro. “Se não pudermos mudar de posição ao conhecer pessoas que entendem mais do assunto do que nós e argumentos convincentes e idéias respeitáveis, o que estamos fazendo aqui, para que vale esse debate, se as posições são imutáveis?”, contra-argumentou Geddel Vieira Lima. Vendo a tensão subir, o presidente do Senado interveio. “Essas são agressões pessoais que não podemos permitir num debate como este”, advertiu Garibaldi Alves.


***


Grandes grupos econômicos serão beneficiados


BRASÍLIA - O projeto de integração do Rio São Francisco beneficiará grandes grupos econômicos e não objetiva o abastecimento humano e animal, afirmou dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra (BA), ao falar em audiência pública promovida por quatro comissões permanentes do Senado. Para o religioso, que manifestou sua opinião logo após a abertura da reunião pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, o projeto é retrógrado e vai na contramão da história.


O bispo avaliou que o projeto não adota a nova concepção de gestão da água, que prevê “cuidado e aproveitamento de cada gota de água disponível”. O religioso destacou que as prioridades do governo são atividades como cultivos irrigados, criação de camarão em cativeiro e usos industriais, privilegiando o setor econômico em detrimento das necessidades da população. O bispo também afirmou que as obras afetarão as estratégias de sobrevivência de populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas.


O bispo lamentou que o debate tenha ocorrido após o início das obras de transposição. Ele lembrou que um “amplo e profundo diálogo” foi uma das reivindicações que fizeram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concordar em encerrar seu primeiro jejum contra a transposição. Dom Luiz Cappio recordou que o acordo não foi cumprido pelo presidente, o que o levou ao segundo jejum, depois das obras iniciadas. Ele criticou o Exército Brasileiro por estar trabalhando nas obras da transposição. Na opinião do bispo de Barra (BA), o Exército deveria sim era ajudar a revitalizar o Rio São Francisco e outros grandes rios brasileiros.


Contrários ao projeto de transposição de águas do Rio São Francisco, os atores Osmar Prado, Letícia Sabatella e Carlos Vereza, integrantes do Movimento Humanos Direitos, também participaram da audiência pública. Ao elogiar a Casa pela iniciativa de realizar o debate, Letícia Sabatella considerou tardia a discussão sobre o projeto, cujas obras já se iniciaram. Disse esperar que o debate “não tenha sido um teatro”, mas que consiga mobilizar as pessoas, “para que não deixem as decisões à revelia dos governantes”. “A água é um direito humano e é necessária à vida. Não pode se reduzi-la à condição de mercadoria. Ainda nem conhecemos toda a riqueza da diversidade do nosso país e já trocamos o que conhecemos por pseudodesenvolvimento, que será a riqueza de poucos”, ressaltou ela.


Emocionado, Osmar Prado chorou ao falar da tribuna. Disse, em referência aos oradores que defenderam o projeto de transposição, ter escutado muitos discursos técnicos, com argumentos fortes e gestos teatrais. De outro lado, afirmou ter ouvido, dos contrários à iniciativa, discursos que tiveram o coração à frente da argumentação e o povo brasileiro como prioridade. O ator afirmou que admira a coragem de dom Luiz Cappio, que esteve em greve de fome em protesto contra as obras no final do ano passado, “por doar sua vida em benefício do brasileiro”.

Fonte: Correio da Bahia

quinta-feira, 10 de julho de 2008